“Por uma igreja sinodal, comunhão, participação e missão“! Entre os dias 26 e 28 de fevereiro de 2024 foi realizada a 3ª Escuta Sinodal, convocada pelo Arcebispo de Porto Velho, Dom Roque Paloschi, juntamente com as pastorais e organismos sociais da Igreja Católica que atuam junto a esses povos e comunidades. Nessa caminhada sinodal, a Igreja tem buscado esse processo de escuta permanente e ativa, no sentido de fortalecer as vozes desses sujeitos em condições de vulnerabilidade sistêmica, promovendo o diálogo e o encontro entre diversas lideranças e atores sociais, para as lutas em defesa da vida, dos territórios e dos direitos.
“Nós povos indígenas não aceitaremos o sistema!”. Essa foi a mensagem deixada pela liderança indígena Elivar Karitiana, com a junção da resistência e clamor de mais de 15 comunidades representadas do estado de Rondônia e sul do Amazonas, que estiveram reunidas no Centro Arquidiocesano de Pastoral (CAP), em Porto Velho.
O encontro foi marcado por lideranças indígenas Karitiana, Apurinã, Kassupá, Canoe, Guarasugwe, Paumari, Arara, Karipuna, Cujubim, Puruborá, Migueleno, Wayoro, Diahui, Warao, Kachinauá, Canoé, extrativistas da RESEX Rio Ouro Preto, comunidades ribeirinhas de Calama e Terra Firme do Baixo Madeira, migrantes e pessoas em situação de calçada.
A Escuta Sinodal é fruto da articulação da Arquidiocese de Porto Velho, Conselho Indigenista Missionário – CIMI, Comissão Pastoral da Terra – CPT, Pastoral do Migrantes – SPM, Cáritas e a Rede Eclesial Pan-Amazônica – REPAM com as comunidades.
O encontro contou com a presença do professor Afonso Chagas, da Universidade Federal de Rondônia e também assessor da CPT-RO, que trabalhou a temática da conjuntura da sociopolítica e ambiental da região denominada AMACRO, a fronteira de desmatamento que abrange municípios dos estados do Amazonas, Rondônia e Acre, onde cada vez mais, tem avançado para os territórios causando destruição. Foi destacado o aumento do desmatamento de florestas públicas, aumento da migração de trabalhadores entre as regiões da fronteira, invasão de áreas protegidas e território tradicionais, e o aumento das atividades predatórias do agro-hidro-negócio e da mineração.
“O marco temporal agride, ele é ligado aos madeireiros, aos grileiros. Temos que fazer todas as denúncias, reencontrar o poder que está dentro de nós, dentro dos nossos territórios. Temos que fazer o enfrentamento e construir momentos de lutas.” (Afonso Chagas)
(Foto: CPT Rondônia)
Durante o encontro, foi trabalhado os desafios e sinais de resistência e esperança, diante a conjuntura atual que coloca em evidência o que temos pela frente, com a composição legislativa e executiva que ainda privilegia interesses de ruralistas, como o retorno e aprovação pelo Congresso Nacional da tese do Marco Temporal, que torna a data 05 de outubro de 1988 o marco legal para a demarcação de terras indígenas, violando o direito originário da posse de terras tradicionais. Além disso, a crescente pressão feita as comunidades para a adesão ao mercado de carbono e os impactos de obras de infraestrutura que afetam o modo de vida e coloca em risco o presente e o futuro dos seus territórios.
“Destruíram os territórios e venderam, depois não tinham mais como voltar. Os grandes estão vindo para destruir nossos territórios.” (Mário Puruborá)
(Foto: CPT Rondônia)
Entre os temas levantados pelas lideranças, destacou-se o avanço do agronegócio aos territórios e os impactos causados pela financeirização do carbono, como falsa alternativa ao avanço do capital na Amazônia. O povo Puruborá recentemente publicou uma nota em que denuncia e pede providências pela mortandade dos peixes no rio tradicional Manoel Correia, causadas pela contaminação dos rios feitas pela pulverização aérea de agrotóxicos no plantio de soja, intensificando as consequências da destruição do bioma e atacando o modo de vida tradicional.
“Minha esperança é de ver meu rio sem veneno, minha esperança de voltar a lutar, a fazer movimento de lutas, de ver minha terra demarcada”. (Elias Migueleno)
Os territórios tradicionais do povo Migueleno, Puruborá, Kujubim, Guarasugwe e Woajuru permanecem sendo violados pela morosidade da FUNAI em dar continuidade e finalizar a demarcação. O povo Migueleno ecoa sua esperança na luta ancestral pelo território, preservando sua cultura que cada vez tem sido agredida por ameaças, mentiras, violações, e teses jurídicas que não consideram seus direitos constitucionais, como o Marco Temporal já rejeitado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como tese inconstitucional ao direito originário, que persiste no discurso e prática de grupos políticos ligados ao agronegócio e ao fundamentalismo religioso.
“Nós temos conhecimento agora do território, nossa situação é a
nossa saúde, educação, nosso território, nosso igarapé já está contaminado.
Para nós tudo isso é muito triste.” (Antônia Paumari)
A força e participação das mulheres nos interpela como sinais de esperança, apontando para nós a caminhada da resistência destas que ainda enfrentam a ausência de políticas públicas específicas, ameaças, perseguições, o patriarcado estrutural e são elas que estão a frente de vários papéis em suas comunidades. Suas resistências estão postas contra o fechamento de escolas, luta pela garantia de transporte escolar fluvial/terrestre, acesso à educação, reconhecimento territorial, sejam elas ribeirinhas, indígenas, extrativistas ou migrantes, estão fazendo brotar nas mentes e corações os novos caminhos para a Amazônia.
“A igreja é convidada a caminhar com os povos Amazônicos. O caminho continua e o trabalho missionário também, se quisermos desenvolver uma Igreja com rosto amazônico, precisa crescer em uma cultura do encontro rumo a uma harmonia pluriforme.” (Doris Almeida – REPAM)
(Foto: CPT Rondônia)
No segundo dia foi debatido o tema da sinodalidade, refletindo sobre os novos caminhos para a Igreja Sinodal, missionária e com rosto Amazônico, a comunhão, participação e missão com a assessoria de Doris Almeida, da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM). Foi realizado trabalhos em grupo com a metodologia de Carrossel, em que foi pensado o que mais forte ecoa para a ação direta diante a realidade dos povos do campo e da cidade da Amazônia e como enfrentar coletivamente as tensões que surgem da realidade local e global.
“Manter nossa cultura viva! Somos os guardiães das florestas!” (Edson Arara)
(Foto: CPT Rondônia)
A juventude esteve presente com a força dos saberes passados por gerações, demonstrando que uma de suas principais lutas é pelo território sagrado, mantendo especialmente a cultura viva e sendo guardiões na defesa dos direitos humanos e da natureza.
Entre os desafios e as ações de enfrentamento, se destacam o cuidado da Casa Comum, promovendo a justiça socioambiental, fortalecendo a sinodalidade e a unidade da luta por direitos na Amazônia, através da Educação Popular, formação de base, comunicação popular com protagonismo da juventude e das mulheres, fortalecimento da Rede dos Povos de Rondônia, incidências em espaços internacionais, participação em Conselhos estratégicos e incidências institucionais de denúncias de violações.
fonte: BLOG CPT Rondonia