Durante o Congresso Eucarístico Arquidiocesano de Porto Velho, realizado de 10 a 13 de julho de 2025, uma das iniciativas mais marcantes foi a Feira da Casa Comum: Cultura, Sabores e Saberes da Amazônia, promovida na Escola Barão dos Solimões.
A feira reuniu mais de 60 expositores, representando comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas, camponesas e urbanas de diferentes regiões de Rondônia. O espaço se tornou um verdadeiro mosaico da diversidade cultural e espiritual da Amazônia, com exposições de artesanato, alimentos naturais, apresentações culturais e rodas de conversa.
Mais que uma exposição, a Feira da Casa Comum foi um testemunho vivo do compromisso da Igreja com a ecologia integral, promovendo o cuidado com a natureza, o respeito às tradições dos povos e o diálogo entre fé e vida. Em sintonia com a encíclica Laudato Si’, do Papa Francisco, o evento reforçou a urgência de uma conversão ecológica, social e pastoral.
Ao final da feira, foi entregue à Igreja e à sociedade uma Carta Profética, assinada por diversas entidades e movimentos sociais, como a Arquidiocese de Porto Velho, Cáritas Brasileira Articulação Noroeste, Cáritas Arquidiocesana, Comissão Pastoral da Terra, Conselho Indigenista Missionário, Pastoral dos Migrantes, Pastoral Indigenista e o Centro Umbandista Raimundo Légua.
Abaixo, a íntegra do documento:
“Cultura, Sabores e Saberes da Amazônia
“Eu sou o pão vivo que desceu do céu. Quem come deste pão viverá eternamente”. (Jo 6,51)
A Eucaristia que celebramos é memória viva do povo, da terra, do corpo coletivo que resiste, reza, planta, caminha e sonha. É a memória das dores e das alegrias que atravessam nossos territórios. E é em fidelidade a essa memória encarnada que nós, povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses, migrantes, povos de terreiro, juventudes, mulheres, populações LGBTQIAPN+, pastorais sociais, movimentos populares e comunidades da Amazônia, entregamos esta carta à Igreja e à sociedade, como fruto da Feira da Casa Comum: Cultura, Sabores e Saberes da Amazônia, realizada de 10 a 13 de julho de 2025, durante o Congresso Eucarístico e da celebração dos 100 anos da Arquidiocese de Porto Velho.
O tema do Congresso “Do chão para o altar da Amazônia” nos tocou profundamente. Porque somos o chão onde Deus se revela nas muitas expressões da fé: o altar da floresta, do barraco de lona, do roçado, do terreiro, da aldeia, da periferia, da beira do rio e da diversidade que habita esses territórios. E quando o chão se move e sobe ao altar, ele leva consigo suas cores, seus sons, seus corpos diversos, suas espiritualidades e suas histórias.
Durante a Feira, celebramos essa pluralidade com simpósios, oficinas, rodas de conversa, cantos, rezas e sabores. Crianças e adolescentes plantaram vidas. Mulheres compartilharam saberes da terra. Jovens organizaram esperança. Povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, extrativistas e migrantes expressaram suas espiritualidades com dignidade. Povos de terreiro e comunidades negras reafirmaram sua força no combate ao racismo e à intolerância religiosa. A fé se fez corpo e gesto concreto.
Sabemos da dor das exclusões, das violências, das expulsões, das grilagens, das queimadas e das perseguições que ainda ferem tantos filhos e filhas da Casa Comum. Vemos a destruição provocada por projetos que ignoram os povos, suas culturas e espiritualidades. Denunciamos o avanço do agronegócio predador, dos agrotóxicos e dos grandes empreendimentos que ameaçam a vida.
Mas também testemunhamos a coragem, a união e a força daqueles e daquelas que não se calam e seguem plantando futuro. Reafirmamos o compromisso com a Ecologia Integral, como clama o Papa Francisco, compreendendo que tudo está interligado: o cuidado com a terra, com as pessoas, com as culturas e com a vida.
Também nos unimos à Economia de Francisco e Clara, por uma nova forma de viver, produzir e repartir, centrada na justiça, na solidariedade, na sustentabilidade e na dignidade dos povos. Queremos outra lógica: que a economia sirva à vida, e não ao lucro.
Esta carta nasce do amor profundo por nossos povos e territórios, como um chamado à conversão pastoral e social. Queremos que a Igreja e a sociedade caminhem lado a lado na defesa dos direitos humanos, dos povos tradicionais e de terreiro, das mulheres, das juventudes, das populações LGBTQIAPN+, promovendo justiça, paz e acolhida radical.
O choro da mãe de santo que carrega o sagrado é um apelo. A presença das juventudes que nos impulsionam a caminhar num processo de construção coletiva. As crianças, símbolo de esperança e continuidade, são promessa de um futuro em que todas as expressões de fé sejam reconhecidas com dignidade.
Por isso reafirmamos:
Não aceitaremos mais o lugar relegado ou invisibilizado.
Nossa fé é viva, diversa e libertadora.
Que a Eucaristia seja, pão partilhado, compromisso com a vida e força para a caminhada.Agradecemos a cada povo, comunidade, organização, grupo e pessoa que construiu com coragem, ternura e esperança essa grande ciranda chamada Feira da Casa Comum.
Saímos mais fortalecidos, mais unidos e unidas, mais conscientes de que somos parte de um só corpo, e que nenhum povo, território, espiritualidade ou voz deve ser deixada para trás.
Este é um marco histórico nos 100 anos da Arquidiocese de Porto Velho. Que se lembre para sempre que, neste centenário, os povos da Amazônia estiveram presentes com seus saberes, sabores e culturas.
Essa história foi registrada e selada na cápsula do tempo com o nome da Feira da Casa Comum. E quando ela for aberta, daqui a 50 anos, que se reconheça: estivemos aqui, resistimos com fé e deixamos sementes de justiça, diversidade e esperança.
Do chão para o altar da Amazônia, com fé profética, esperança insurgente e amor libertador.”
Por: Anaely Roberto I Fotos: Rosângela Descry